Com a nova modalidade, a telemedicina prestará assistência digital dentro dos padrões técnicos e condutas éticas aderentes à resolução do CFVM.
Telemedicina veterinária foi regulamentada este ano
Restrita até recentemente pelas limitações inerentes à sua própria natureza, a telemedicina veterinária, assim como a humana, se popularizou durante o distanciamento social resultante da pandemia da Covid-19. A Resolução do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) nº 1.465/2022, que regulamenta o uso da telemedicina veterinária , foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) em junho deste ano.
A prática é permitida aos médicos-veterinários com inscrição ativa no Sistema CFMV/CRMVs e às pessoas jurídicas devidamente registradas com Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) de um profissional regularmente inscrito.
Com a nova modalidade, a telemedicina prestará assistência digital dentro dos padrões técnicos e condutas éticas aderentes à resolução. O profissional poderá utilizar plataformas já existentes ou desenvolver um aplicativo específico, desde que respeitados os critérios e as garantias estabelecidos na legislação, e registrando em prontuário a tecnologia empregada no atendimento.
Porém, o uso da telemedicina veterinária no Brasil tem dividido opiniões no campo da veterinária e no mercado pet.
Por isso, o Canal do Pet ouviu especialistas para que o tema seja amplamente discutido, de modo que a adaptação à nova modalidade de atendimento seja benéfica para todos os envolvidos.
“Isso é absolutamente normal. Independentemente do setor, quando novas regras ou normas são publicadas por um órgão público, é comum — e saudável — que existam pensamentos divergentes entre profissionais e empresários do ramo. O fato é que mudanças sempre dão o que falar”, explica Lucas Guedes, CEO e fundador da Vets, startup de atendimento em domicílio que conecta profissionais veterinários e tutores por meio de seu aplicativo.
Ele defende que a telemedicina democratizará o acesso ao atendimento especializado. Principalmente em um país tão grande como o Brasil. Para o profissional, muitos lugares de difícil acesso ficam à margem do atendimento de saúde e, nesse sentido, a telemedicina veterinária tem o poder de quebrar as barreiras geográficas.
“Essa modalidade proporciona bem-estar para pets que antes não teriam condições de serem levados a um consultório. Hoje, fica claro que a democratização do acesso à saúde passa pelo bom uso da tecnologia”, conta.
Mas, a dúvida que fica para muitos tutores é que, com a adoção da prática, o atendimento presencial deixará de existir. Porém, de acordo com a própria resolução que regulamenta a telemedicina veterinária, o atendimento presencial é o “padrão ouro para a prática de atos médicos-veterinários”.
Fica a critério do profissional, baseado nos padrões técnicos e éticos que regem a atividade, se o caso permite uma consulta on-line, ou se há necessidade de atendimento presencial. Logo, a telemedicina vem para ser mais um apoio para o bem-estar animal, e não para acabar com as consultas presenciais.
“Estamos seguindo a tendência mundial e precisamos acompanhar isso. O ponto favorável é o encurtamento de distância entre tutores x médicos e médicos x médicos, levando qualidade aos lugares mais remotos. Já o ponto desfavorável consiste na realização de uma consulta superficial por profissionais e empresas que visam o lucro como prioridade e não seguem o padrão predeterminado pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária. Isso já ocorre também em algumas consultas presenciais”, argumenta Rogério de Holanda, médico-veterinário e CEO do Plantão Veterinário Hospital — Clínica-Escola do curso de Medicina Veterinária da Uninassau (Centro Universitário Maurício de Nassau) de Recife.
O debate em relação à interação entre o médico-veterinário e o animal, que não consegue se comunicar, também aparece como um argumento contrário à prática. Mas, Lucas reforça que a telemedicina não abandonará a necessidade de uma consulta presencial.
“Serão feitas as perguntas pelo veterinário para o tutor. E, se o animal sente algo fora do comum relatado pelo tutor que o médico não consiga ter uma ideia, terá que ter uma interferência presencial. Um exemplo: ‘Meu cachorro está fazendo cocô mole, com sangue’, o tutor envia uma foto para o veterinário, ele já consegue ter uma ideia, agora se for necessário qualquer tipo de interação para ver se o animal de fato está com febre ou conferir se ele está com uma bolinha em algum lugar do corpo, obviamente a telemedicina não resolverá e será preciso uma consulta presencial”.
Entenda as diferenças
O Conselho Federal de Medicina Veterinária explica os conceitos de cada modalidade, pois dentro da telemedicina veterinária estão incluídas: a teleconsulta, telemonitoramento, teletriagem, teleorientação, teleinterconsulta e telediagnóstico.
A teleconsulta ocorre nos casos em que o profissional e o paciente não estão localizados em um mesmo ambiente geográfico. Não é permitido em emergência e urgência, e somente pode ser efetivada nos casos de Relação Prévia Veterinária-Animal-Responsável (RPVAR) que tenha sido presencial e devidamente registrada.
Antes da teleconsulta, a RPVAR precisa ser validada pelo profissional com a conferência dos dados cadastrais e das características do paciente, bem como das informações do responsável, exceto em casos de desastres, naturais ou não. Nos atendimentos de animais de produção é necessário o conhecimento prévio da propriedade.
A teletriagem destina-se a identificar e classificar situações que, a critério do médico-veterinário, indiquem a possibilidade da teleconsulta ou a necessidade de atendimento presencial, imediato ou agendado.
Já a teleorientação inicia-se à distância e pode, a depender do caso, virar uma teletriagem, com a indicação para procurar uma clínica/hospital veterinário, ou agendar atendimento com um especialista.
Para as duas últimas modalidades acima mencionadas, é proibida qualquer tipo de definição diagnóstica, conduta terapêutica, solicitação de exames ou prescrição. Antes de iniciar atendimento nestes formatos, o profissional deverá deixar claro ao responsável pelo paciente que não se trata de consulta médico-veterinária virtual.
O telemonitoramento (televigilância ou monitoramento remoto) visa o acompanhamento contínuo de parâmetros fisiológicos para monitoramento ou vigilância a distância. É permitido em três situações: quando já foi realizado atendimento presencial anterior; durante a recuperação de procedimento clínico ou cirúrgico; ou nos casos de tratamento de doenças crônicas. Nesse último caso, há exigência de consulta presencial com o médico-veterinário assistente do paciente a cada 180 dias.
A teleinterconsulta é realizada exclusivamente entre médicos-veterinários para troca de informações e opiniões com a finalidade de promover o auxílio diagnóstico ou terapêutico. Caberá ao profissional decidir se poderá oferecer sua opinião de forma segura.
O telediagnóstico visa a transmissão de dados e imagens para serem interpretados a distância entre médicos-veterinários, com o objetivo de emissão de laudo ou parecer com assinatura eletrônica avançada.
Prescrições e receituários
A prescrição a distância deverá conter, obrigatoriamente, identificação do médico-veterinário, incluindo nome, CRMV, telefone e endereço físico e/ou eletrônico; identificação e dados do paciente e do responsável; registro de data e hora do atendimento; e uso de assinatura eletrônica avançada ou qualificada para emissão de receitas e demais documentos.
Os receituários de medicamentos sujeitos a controle especial somente serão válidos quando subscritos com assinatura eletrônica qualificada (que utiliza certificado digital), assim como devem seguir as normas editadas pelas entidades e órgãos reguladores específicos, como os Ministérios da Saúde (MS); da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa); e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
“A teleorientação deve ser utilizada apenas em algumas situações, como retirar dúvidas sobre medicina preventiva ou direcionar um especialista após o tutor relatar os sintomas do animal”, pontua Rogério.
Com a teletriagem, telemonitoramento e a teleorientação, os tutores poderão ter informações confiáveis, visto que é muito comum que um tutor procure por respostas sobre o comportamento do seu pet na Internet. E, às vezes, o ambiente digital não é um dos lugares mais confiáveis para se obter informação de qualidade.
“Essas modalidades da telemedicina veterinária se tornam um fator positivo para a educação dos tutores. Agora, ao invés de pesquisar no Google, o tutor poderá tirar as suas dúvidas diretamente com quem sabe de verdade do que está falando: o médico-veterinário”, retoma Lucas.
“A telemedicina é perfeita para o bem-estar proativo do pet, promovendo cuidado contínuo de problemas crônicos, com check-ups anuais, consultas de acompanhamento e muito mais. Em casos de emergência, a telemedicina também pode ser determinante para o atendimento. Com certeza, os benefícios das consultas online vão muito além do socorro em casos de emergência”, completa.
E os valores?
“Os valores geralmente são semelhantes. Porém, para um direcionamento, no caso da teleorientação, realmente deve sair mais barato”, avalia Rogério.
Lucas prefere não fazer essa comparação de valores: “A telemedicina não substitui a consulta tradicional, por isso não dá para falar se ela é mais barata ou se ela é mais cara, na verdade, ela é complementar. Mas certamente é mais rápida. Aqui na Vets, alguns veterinários cobram menos da teleconsulta porque não têm todo o trabalho de deslocamento, mas é importante dizer que, em muitos casos, acaba sendo necessário uma consulta presencial”, conclui.
Texto originalmente publicado no Site Canal do Pet (11 de Novembro 2022).