Pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) desenvolveram uma técnica inovadora e eficaz para o tratamento de lesões oculares em cães e gatos utilizando pele de tilápia-do-nilo, rica em colágeno. O enxerto biológico tem mostrado excelentes resultados na regeneração da córnea, especialmente em animais com úlceras oculares, devolvendo a visão a muitos deles.
O tratamento é resultado de pesquisas conduzidas pelo Núcleo de Produção e Desenvolvimento de Medicamentos (NPDM), da Faculdade de Medicina da UFC. A técnica cirúrgica emprega uma membrana denominada matriz dérmica acelular, criada a partir da pele do peixe, que atua como um “curativo biológico”, protegendo a córnea e estimulando a regeneração celular no período pós-operatório.
“A membrana funciona como um arcabouço, protegendo a córnea e estimulando a produção celular nas áreas afetadas. Ela vai liberando colágeno e depois é absorvida pelo organismo”, explica a médica-veterinária Mirza Melo, líder do estudo, em entrevista à revista Pesquisa Fapesp.
Segundo a pesquisadora, a produção do biotecido exige um rigoroso processo de preparo em laboratório, que inclui a retirada de escamas e células da pele da tilápia. Ainda assim, o custo é consideravelmente mais baixo quando comparado a membranas biológicas importadas feitas de materiais bovinos ou suínos, tornando a técnica ainda mais promissora em termos de acessibilidade e viabilidade clínica.
Foco em cães braquicefálicos
O uso da pele de tilápia tem se mostrado particularmente benéfico para cães braquicefálicos — como pugs, buldogues e shih-tzus — que possuem focinhos achatados e olhos mais expostos, tornando-se mais suscetíveis a lesões na córnea. De acordo com Mirza, mais de 400 cães já foram tratados com sucesso utilizando a nova técnica.
Estudos com 60 cães apresentaram resultados animadores: a matriz dérmica da tilápia proporcionou tempo de cicatrização mais rápido e alta clínica mais precoce em comparação com outras membranas biológicas.
Próximos passos: aplicação em humanos
Diante dos bons resultados obtidos em animais, os pesquisadores estudam agora a aplicação da matriz dérmica da tilápia em procedimentos humanos, inclusive em cirurgias neurológicas.
O doutorando em medicina translacional Rodrigo Becco destaca que a membrana tem características muito semelhantes à dura-máter — a camada protetora mais externa do cérebro humano.
“Ela é bastante maleável, funciona como uma barreira mecânica eficiente e, o mais importante, não provoca processos inflamatórios”, afirma o pesquisador.
A equipe da UFC já trabalha na solicitação de autorização junto ao Comitê de Ética da universidade para iniciar os primeiros testes em humanos, o que pode representar um avanço significativo na medicina regenerativa nacional.
Com essa tecnologia, o que antes era descartado como resíduo da indústria da pesca pode se tornar uma poderosa aliada da saúde, tanto veterinária quanto humana, abrindo novas possibilidades para tratamentos mais acessíveis e eficazes.